Maconha é a droga mais utilizada em diversos países do mundo. Segundo diversos autores, a percepção do risco associado ao uso de maconha vem caindo e diversas iniciativas para descriminalização e redução de danos do consumo de maconha têm sido conduzidas – para informações, visite www.growroom.net. Há indícios que o uso de maconha pode trazer problemas de saúde como disforia, desordens comportamentais, dependência, déficit no desenvolvimento cognitivo, desordens psicológicas e comportamento anti-social, embora não esteja totalmente comprovados esta relação quanto ao uso da maconha ou a fatores psico-sociais associados ao consumo, inclusive a sua marginalização.
Um dos principais efeitos associados ao consumo de maconha é o desenvolvimento de sintomas de esquizofrenia. Embora este risco venha sendo reportado, ainda há muita controvérsia a cerca da confiabilidade das pesquisas conduzidas. O modelo de estudo reconhecido como mais confiável em relação à previsão do risco de desenvolvimento de efeitos colaterais é o estudo de coorte, onde uma amostra da população é avaliada quanto ao seus hábitos de consumo, sintomas prévios de esquizofrenia e acompanhado por alguns anos para que uma nova avaliação possa ser conduzida após alguns membros desta população ter sido exposto ao uso da maconha.
Para quem não sabe ainda, o princípio ativo da maconha - delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) – está associado ao desenvolvimento de sintomas semelhantes aos da esquizofrenia quando administrado em voluntários saudáveis. Este efeito tem sido associado ao aumento da liberação de dopamina no cérebro. Esta observação, assim como o aumento do número de receptores para THC no cérebro de pacientes com esquizofrenia, tem levado ao estudo da associação entre consumo de maconha e o desenvolvimento da doença.

Fazendo um levantamento na literatura – como é a proposta deste Blog – achei alguns artigos que demonstram trabalhos do tipo coorte estudando o tema. Assim segue:
Andreasson e colaboradores e Zammit e colaboradores realizaram estudos com amostra de mais de 50.000 indivíduos na suécia e observaram que a probabilidade média (odds ratio) de se desenvolver sintomas de esquizofrenia em usuários de maconha eram 3 vezes maior do que em não usuários quando os mesmos faziam este consumo até os 25 anos de idade. Entre os indivíduos que fizeram uso de maconha mais de 50 vezes durante a vida, esta chance passava a ser 6 vezes maior. A mesma avaliação feita com os mesmos indivíduos aos 35 anos, mostrou uma chance um pouco diminuída, de 2,2 vezes maior em relação a não usuários.
Em estudo realizado na Holanda com 4.848 indivíduos, van Os e colaboradores demonstrou que os riscos de desenvolvimento de esquizofrenia em usuários de maconha aumentam 2,76 vezes em relação a não usuários. O impressionante é que se são avaliados os riscos entre pacientes que já apresentavam aos 11 anos de idade sintomas relacionados a esquizofrenia, esta probabilidade média passava a ser 24,17 vezes maior do que não usuários.
Em Monique, Enquet e colaboradores demonstraram em um estudo com 2.434 indivíduos que o risco de desenvolvimento de sintomas de esquizofrenia entre os que fizeram uso de maconha por mais de cinco vezes era 2 vezes maior do que em não usuários. Este trabalho também estabelece uma relação dose dependente, de modo que entre os que fazem uso menos de uma vez ao mês, uma a duas vezes por semana e todos os dias, apresentam risco aumentado em 1,23; 4,9 e 6,8 vezes, respectivamente.
Fergusson e colaboradores e Arseneault e colaboradores, em estudos realizados na Nova Zelândia com mais de mil indivíduos cada, determinaram um risco aumentado em 4,5 vezes em usuários de até 15 anos de idade e de 1,65 vezes em usuários de até 18 anos de idade. Neste mesmo trabalho, o risco demonstrado quando o indivíduo já apresentava sinais de esquizofrenia aos 9 anos de idade foi 15,97 vezes maior que em não usuários. Adicionalmente Stefanis e colaboradores, em estudo realizado na Grécia com 11.048 indivíduos demonstrou que o risco de desenvolvimento de esquizofrenia na vida adulta é muito maior quando os usuários fizeram uso antes dos 15 anos em relação aos que fizeram uso após os 16.
Com o apanhado de resultados descritos, fiz este gráfico que correlaciona risco comparativo do usuário em relação a idade média de consumo entre indivíduos que apresentavam ou não sintomas prévios de esquizofrenia:

Fica claro que quanto mais jovem o usuário, maior o risco de desenvolvimento de esquizofrenia, demonstrando o perigo do uso de maconha, assim como de diversas outras drogas, inclusive as lícitas, na adolescência.
Outro fator que deve ser levado em consideração é o aumento acentuado do risco em pacientes com sintomas prévios de esquizofrenia. Este aumento tem sido demonstrado também no caso de pacientes portadores de outros distúrbios psicológicos.
Diversos trabalhos estudam e preconizam a possibilidade de uso medicinal da maconha. Este apanhado de resultados, embora pequeno frente à vasta literatura disponível, serve para alertar que uma avaliação psicológica criteriosa deve ser conduzida antes de incentivar um paciente a utilizar maconha com fins terapêuticos. Além disso, adolescentes, principalmente até os 16 anos devem ser desencorajados de usar qualquer droga, inclusive maconha. Qualquer uso medicinal deve sempre considerar a relação custo/benefício do tratamento.
Quanto ao usuário eletivo e recreativo, embora o risco de desenvolvimento de esquizofrenia seja cerca de duas a três vezes maior que em não usuários, convém lembrar que a incidência de esquizofrenia na população mundial gira em torno de 1%. Faça as suas contas.
REFERÊNCIAS
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Zammit S, Allebeck P, Andreasson S, Lundberg I, Lewis G. Self reported cannabis use as a risk factor for schizophrenia in Swedish conscripts of 1969: historical cohort study. BMJ 2002; 23;325:1183-8.
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