Gustav Ranis, prêmio Nobel de Economia, publicou com seus colaboradores, em 2000 o trabalho intitulado “Crescimento Econômico e Desenvolvimento Humano”. Neste artigo, os autores fazem um paralelo teórico e prático entre a aplicação destes dois conceitos em diversos países de 1960 a 1992 e os resultados realizados por estes países.
Claro que existe uma correlação muito forte entre estes dois conceitos e, normalmente, os dois estão atrelados. Desenvolvimento humano (DH), principalmente em relação à saúde e educação, promove maior desenvolvimento econômico por proporcionar melhoria na qualidade da força de trabalho. Por outro lado, o crescimento econômico (CE) fornece recursos que possibilitam um aumento no DH. Os autores chamam esta relação de relação de duas correntes, uma corrente de CE para DH (CE-DH) e outra de DH para CE (DH-CE).
É principalmente determinada pelo governo, através de políticas públicas de aplicação de recursos em DH e através da sociedade civil, principalmente por intermédio de organizações não governamentais (ONGs). Mesmos índices de CE podem levar a DH extremamente discrepantes a depender das políticas públicas governamentais – água potável, saúde, educação, segurança e incentivo às ONGs. Está empiricamente comprovado por diversos estudos citados que a corrente CE-DH é maior quanto:
1. Menor for a proporção da população abaixo da linha de pobreza,
2. Maior for a proporção de recursos destinados a ações de DH. Esta correlação é ainda maior quando as ações são relacionadas à educação feminina e ao controle da mulher sobre a s finanças familiares,
3. Maior for a eficiência das ONGs,
Amplas evidências sugerem que quanto mais saudável, nutrida e educada, mais uma população contribui para o CE. Esta influência se dá, entre outros aspectos, pelo aumento da produtividade e da criatividade da força de trabalho. Os autores destacam que (i) saúde, nutrição e educação primária e secundária aumentam a produtividade de trabalhadores rurais e urbanos, (ii) educação secundária facilita a aquisição de capacidades e habilidades técnicas, (iii) Educação terciária sustenta o desenvolvimento das ciências básicas, da apropriação de tecnologias extrangeiras e do desenvolvimento de tecnologia própria, e (iv) Educação terciária representa um elemento fundamental no desenvolvimento de instituições chaves do governo, do judiciário, do sistema financeiro, da imprensa, entre outros, extremamente importantes para o CE.
Como dado empírico, o artigo faz um estudo com 35 a 76 países em desenvolvimento – dependendo do parâmetro disponível – entre os anos de 1960 e 1992. Os países foram divididos em grupos, dependendo dos parâmetros de CE e DH, assim como seus resultados no período foram classificados como viciosos, virtuosos, crescimento assimétrico de CE e de DH. Desempenho virtuoso é aquele em que CE e DH são igualmente desenvolvidos; vicioso é aquele que CE e DH são igualmente abaixo da média. Crescimentos assimétricos foram aqueles nos quais um dos parâmetros cresceu, enquanto que o outro não acompanhou este crescimento. Ambos os crescimentos assimétricos devem ser, em tese, insustentáveis, pois existe, como dito acima, uma correlação forte entre CE e DH. A figura abaixo mostra os países estudados divididos nas quatro categorias segundo as médias de CE e DH dos países em desenvolvimento. Note que a maior parte dos países aparece nas regiões de desenvolvimento virtuoso ou vicioso, comprovando a forte relação entre CE e DH.
Mas os resultados mais interessantes vêm migração dos países entre as categorias no decorrer do tempo. A figura abaixo mostra as mudanças de categorias durante três fases: entre 1960 e 1970, entre 1970 e 1980 e entre 1980 e 1992.
Dos 35 países da categoria vicioso na década de 60:
18 permaneceram nesta categoria entre 60 e 70.
6 se moveram para assimétrico CE entre 60 e 70. No entanto, 4 deles voltaram para o vicioso em 1980.
3 se moveram para assimétrico DH entre 60 e 70 e somente 1 voltou para vicioso em 80.
1 (Quênia) moveu-se para virtuoso entre 60 e 70 mas voltou para vicioso em 80.
2 (Sri Lança e Botsuana) moveram-se para virtuoso e permaneceram assim em 80.
Dos 8 países da categoria assimétrico CE na década de 60 - inclui-se aqui o Brasil – todos moveram-se para a categoria vicioso em 80.
Dos 13 países da categoria assimétrico DH na década de 60:
1 (Costa Rica) permaneceu nesta categoria.
4 (Chile, China, Colômbia e Indonésia) moveram-se para a categoria virtuoso em 80.
4 moveram-se para categoria vicioso em 80.
3 moveram-se para assimétrico CE em 70 e depois para vicioso em 80.
Dos 13 países da categoria virtuoso na década de 60:
5 mantiveram-se na categoria em 80.
5 caíram para assimétrico CE em 70, sendo que 3 destes caíram para viciosos em 80.
É importante notar que crescimento assimétrico – tanto CE quanto DH - foi uma situação temporária em todos os casos com exceção da Costa Rica.
Este estudo mostra, ainda, que em um terço dos casos de crescimento assimétrico DH houve migração subseqüente para virtuoso, enquanto que todos os casos de crescimento assimétrico CE levaram a migração para vicioso. Poucos países migraram de vicioso diretamente para virtuoso (2/35) mas um número significativamente maior fez a transição por assimétrico DH (7/15). Nenhum país fez a transição via assimétrico CE (0/14), sugerindo não ser possível fazer desenvolvimento econômico assimétrico perene. Não é possível a transição vicioso-assimétrico CE-virtuoso.
Os autores discutem que a transição vicioso-assimétrico DH pode ser realizada com o fortalecimento da corrente CE-DH, empregando massivamente recursos em saúde, educação e nutrição da força de trabalho, enquanto que a migração de assimétrico DH para virtuoso depende do fortalecimento da corrente DH-CE, ou seja, aumento da produção de recursos pelo aumento da produtividade da força de trabalho gerada pelo DH. Ainda, a corrente CE-DH é fortalecida com investimentos em educação básica e secundária, hospitais e programas nutricionais, enquanto que a corrente DH-CE se fortalece com investimentos em universidades, pesquisa e inovação.
Em mais um ciclo de crescimento econômico assimétrico, o Brasil continua a cometer os mesmos erros de décadas anteriores, ignorando as políticas públicas que fortaleceriam a corrente CE-DH. Completa contramão da história. Está tudo aí, é só fazer.
REFERÊNCIA:
RANIS, G., STEWART, F., RAMIREZ, A. Economic Growth and Human Development (2000) World Development 28, 2:197-219.
Bacana esse post, meus parabéns! Lamento que não existam dados mais atuais, porque acho que o Brasil hoje tem políticas públicas para investimento em DH. Acho também que nunca antes o crescimento econômico foi tão fortemente acompanhado de desenvolvimento humano, mas claro que ainda longe, muito longe do ideal. Não é Lulismo não, é tudo na base do interesse. Eu sei que você quer discutir ciência, e não política, mas um dia precisamos bater um papo sobre essa perspectiva americana e européia de que ONG resolve problemas de DH.
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