terça-feira, 6 de abril de 2010

Maconha: uso, abuso e desenvolvimento de psicose.

Maconha é a droga mais utilizada em diversos países do mundo. Segundo diversos autores, a percepção do risco associado ao uso de maconha vem caindo e diversas iniciativas para descriminalização e redução de danos do consumo de maconha têm sido conduzidas – para informações, visite www.growroom.net.

Há indícios que o uso de maconha pode trazer problemas de saúde como disforia, desordens comportamentais, dependência, déficit no desenvolvimento cognitivo, desordens psicológicas e comportamento anti-social, embora não esteja totalmente comprovados esta relação quanto ao uso da maconha ou a fatores psico-sociais associados ao consumo, inclusive a sua marginalização.

Um dos principais efeitos associados ao consumo de maconha é o desenvolvimento de sintomas de esquizofrenia. Embora este risco venha sendo reportado, ainda há muita controvérsia a cerca da confiabilidade das pesquisas conduzidas. O modelo de estudo reconhecido como mais confiável em relação à previsão do risco de desenvolvimento de efeitos colaterais é o estudo de coorte, onde uma amostra da população é avaliada quanto ao seus hábitos de consumo, sintomas prévios de esquizofrenia e acompanhado por alguns anos para que uma nova avaliação possa ser conduzida após alguns membros desta população ter sido exposto ao uso da maconha.

Para quem não sabe ainda, o princípio ativo da maconha - delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) – está associado ao desenvolvimento de sintomas semelhantes aos da esquizofrenia quando administrado em voluntários saudáveis. Este efeito tem sido associado ao aumento da liberação de dopamina no cérebro. Esta observação, assim como o aumento do número de receptores para THC no cérebro de pacientes com esquizofrenia, tem levado ao estudo da associação entre consumo de maconha e o desenvolvimento da doença.


Fazendo um levantamento na literatura – como é a proposta deste Blog – achei alguns artigos que demonstram trabalhos do tipo coorte estudando o tema. Assim segue:

Andreasson e colaboradores e Zammit e colaboradores realizaram estudos com amostra de mais de 50.000 indivíduos na suécia e observaram que a probabilidade média (odds ratio) de se desenvolver sintomas de esquizofrenia em usuários de maconha eram 3 vezes maior do que em não usuários quando os mesmos faziam este consumo até os 25 anos de idade. Entre os indivíduos que fizeram uso de maconha mais de 50 vezes durante a vida, esta chance passava a ser 6 vezes maior. A mesma avaliação feita com os mesmos indivíduos aos 35 anos, mostrou uma chance um pouco diminuída, de 2,2 vezes maior em relação a não usuários.

Em estudo realizado na Holanda com 4.848 indivíduos, van Os e colaboradores demonstrou que os riscos de desenvolvimento de esquizofrenia em usuários de maconha aumentam 2,76 vezes em relação a não usuários. O impressionante é que se são avaliados os riscos entre pacientes que já apresentavam aos 11 anos de idade sintomas relacionados a esquizofrenia, esta probabilidade média passava a ser 24,17 vezes maior do que não usuários.

Em Monique, Enquet e colaboradores demonstraram em um estudo com 2.434 indivíduos que o risco de desenvolvimento de sintomas de esquizofrenia entre os que fizeram uso de maconha por mais de cinco vezes era 2 vezes maior do que em não usuários. Este trabalho também estabelece uma relação dose dependente, de modo que entre os que fazem uso menos de uma vez ao mês, uma a duas vezes por semana e todos os dias, apresentam risco aumentado em 1,23; 4,9 e 6,8 vezes, respectivamente.

Fergusson e colaboradores e Arseneault e colaboradores, em estudos realizados na Nova Zelândia com mais de mil indivíduos cada, determinaram um risco aumentado em 4,5 vezes em usuários de até 15 anos de idade e de 1,65 vezes em usuários de até 18 anos de idade. Neste mesmo trabalho, o risco demonstrado quando o indivíduo já apresentava sinais de esquizofrenia aos 9 anos de idade foi 15,97 vezes maior que em não usuários. Adicionalmente Stefanis e colaboradores, em estudo realizado na Grécia com 11.048 indivíduos demonstrou que o risco de desenvolvimento de esquizofrenia na vida adulta é muito maior quando os usuários fizeram uso antes dos 15 anos em relação aos que fizeram uso após os 16.

Com o apanhado de resultados descritos, fiz este gráfico que correlaciona risco comparativo do usuário em relação a idade média de consumo entre indivíduos que apresentavam ou não sintomas prévios de esquizofrenia:


Fica claro que quanto mais jovem o usuário, maior o risco de desenvolvimento de esquizofrenia, demonstrando o perigo do uso de maconha, assim como de diversas outras drogas, inclusive as lícitas, na adolescência.

Outro fator que deve ser levado em consideração é o aumento acentuado do risco em pacientes com sintomas prévios de esquizofrenia. Este aumento tem sido demonstrado também no caso de pacientes portadores de outros distúrbios psicológicos.

Diversos trabalhos estudam e preconizam a possibilidade de uso medicinal da maconha. Este apanhado de resultados, embora pequeno frente à vasta literatura disponível, serve para alertar que uma avaliação psicológica criteriosa deve ser conduzida antes de incentivar um paciente a utilizar maconha com fins terapêuticos. Além disso, adolescentes, principalmente até os 16 anos devem ser desencorajados de usar qualquer droga, inclusive maconha. Qualquer uso medicinal deve sempre considerar a relação custo/benefício do tratamento.

Quanto ao usuário eletivo e recreativo, embora o risco de desenvolvimento de esquizofrenia seja cerca de duas a três vezes maior que em não usuários, convém lembrar que a incidência de esquizofrenia na população mundial gira em torno de 1%. Faça as suas contas.

 

REFERÊNCIAS

C. Roncero, F. Collazos, S. Valero, M. Casas. Cannabis consumption and development of psychosis: state of the art. Actas Esp Psiquiatr 2007;35(3):182-189

Tanda G, Pontieri FE, Di Chiara G. Cannabinoid and heroin activation of mesolimbic dopamine transmission by a common mu1 pioid receptor mechanism. Science 1997;27;276:2048-50.

Dean B, Sundram S, Bradbury R, Scarr E, Copolov D. Studies on [3H]CP-55940 binding in the human central nervous system: regional specific changes in density of cannabinoid-1 receptors associated with schizophrenia and cannabis use. Neuroscience 2001;103:9-15.

Andreasson S, Allebeck P, Engstrom A, Rydberg U. Cannabis and schizophrenia. A longitudinal study of Swedish conscripts. Lancet 1987;26;2:1483-6.

Zammit S, Allebeck P, Andreasson S, Lundberg I, Lewis G. Self reported cannabis use as a risk factor for schizophrenia in Swedish conscripts of 1969: historical cohort study. BMJ 2002; 23;325:1183-8.

van Os J, Bak M, Hanssen M, Bijl RV, de Graaf R, Verdoux H. Cannabis use and psychosis: a longitudinal population-based study. Am J Epidemiol 2002; 15;156:319-27.

Henquet C, Krabbendam L, Spauwen J, Kaplan C, Lieb R, Wittchen HU, et al. Prospective cohort study of cannabis use, predisposition for psychosis, and psychotic symptoms in young people. BMJ 2005;330:11-4.

Fergusson DM, Horwood LJ, Swain-Campbell NR. Cannabis dependence and psychotic symptoms in young people. Psychol Med 2003;33:15-21.

Arseneault L, Cannon M, Poulton R, Murray R, Caspi A, Moffitt TE. Cannabis use in adolescence and risk for adult psychosis: longitudinal prospective study. BMJ 2002;325(7374):1212-3.

Stefanis NC, Delespaul P, Henquet C, Bakoula C, Stefanis CN, van Os J. Early adolescent cannabis exposure and positive and negative dimensions of psychosis. Addiction 2004;99:1333-41.

2 comentários:

  1. Não li o artigo todo. Achei legal, mas tô com preguiça, achei meio grande. Mas só fazendo uma correção na tradução: odds ratio fica melhor, em português, como razão de chances. Melhor ainda, razão de odds (com o odds grifado). Isto porque, tecnicamente, odds ratio não pode ser visto como probabilidade. Não vou procurar a fonte agora, pois com falei, tô com preguiça até de tirar livro da estante. Acredito que em PEREIRA MG. Epidemiologia: Teoria e Prática. Ed. Guanabara-Koogan encontra-se o que vou dizer. Voltando ao assunto, a probabilidade de uma pessoa ficar doente, por exemplo, é a razão entre o número de indivíduos que ficaram doentes e o número de indivíduos sob o risco de ficar doente. Assim, a probabilidade, sempre, vai variar entre 0 (nenhuma probabilidade) e 1 (certeza do acontecimento). O melhor que já achei em português, mesmo podendo confundir com probabilidade, para odds, é chance. Isto porque o odds de desenvolver uma doença é a razão entre os invíduos doentes e não doentes. Repare que o denominador não contém as pessoas sob risco de desenvolver a doença, e sim, aquelas que NÃO ficaram doentes. Assim, o odds pode variar de zero a infinito. Ao se buscar uma relação de causalidade entre um fator de exposição e o acometimento de uma enfermidade, cria-se uma tabela 2 x 2: expostos e não expostos na coluna, e doentes e não doentes nas linhas. Ou ao invertem-se linhas e colunas, tanto faz. Calcula-se, então, o odds dos expostos e o odds dos não expostos. A razão de odds (olha o odds ratio aí, gente!) entre expostos e não expostos vai mostrar o quanto os indivíduos expostos tem mais (para OR > 1) ou menos (OR < 1) chances de desenvolver o evento sob estudo. Só quis fazer esta correção porque seus artigos são sempre de alto nível e tive vontade de melhorar ainda mais a sua credibilidade.
    Outro ponto que eu estranhei foi que o estudo de coorte que vc citou - e traduziu odds ratio como probabilidade média - calculou OR ao invés de Risco Relativo (RR), que é a razão de probabilidades entre os expostos e não expostos. Intrigante, pois recomenda-se que estudos prospectivos utilizem como medida de associação o RR ao invés de OR. Isto porque, quando se acompanham pessoas prospectivamente, é possível saber as pessoas que estão sob o risco de desenvolver o evento. Geralmente, lança-se mão do OR em estudos transversais (sem acompanhamento) ou estudos retrospectivos, como o caso-controle. Nestes estudos, não é possivel determinar a população sob risoc, para colocar no denominador, por isso, usa-se o OR. A pergunta é: Se os autores PODIAM calcular RR, por que usaram OR? Reitero que não li nem o seu artigo, tampouco a referência, mas falou a Epidemiologista purista, que adora dar orelhadas, rsrsrsrs. E, se não é pra reclamar, não sou eu, né? Beijos

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  2. Isso é que dá tê amiga dotôra!
    Pô Biká, seu comentário foi maior do que a postagem original. Sinceramente, não acompanhei a maioria das tabelas destes artigos. Minhas conclusões foram feitas em cima das conclusões a que eles chegaram e sintetizaram na discussão dos artigos. Não tenho conhecimento específico pra avaliar a qualidade dos dados desses trabalhos mas acho que seria uma colaboração interessante para o blog uma doutora saúde pública com mestrado em epidemiologia fazendo isso hein? hein?
    Enquanto à sua preguiça, acho que você deveria ter começado a fumar depois dos 30, o odd ratio de você ficar lesada iria ser menor, he, he...

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