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Comentário publicado
São válidos os princípios evolutivos que a reportagem usa para justificar aptidões de homens e mulheres em relação ao cuidar dos filhos. No entanto, achar que nossa herança ancestral determina essa capacidade e que estamos biologicamente fadados a esse comportamento é fatalismo e retrocesso. O ser humano tem, por séculos, rompido barreiras vestigiais de seus ancestrais. A prova disso são comportamentos impensáveis para nossos avós geológicos, como adotar uma criança sem nenhuma relação genética consigo e investir esforços no tratamento de uma com anomalia genética ou doença incurável. Além disso, afirmações como "os homens não são fisicamente adaptados para cuidar dos filhos com a mesma desenvoltura que as mulheres" denotam uma visão preconceituosa, desde que o trato diário com uma criança - como dar banho e trocar fralda -, se pensado de forma prática, requer somente habilidade manual e conhecimentos mínimos que podem ser adquiridos em qualquer livro ou website especializado.
Vitor Hugo Moreau
Departamento de Biointeração
Universidade Federal da Bahia
Salvador, BA
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Comentário não publicado:
Instigado pela reportagem, fui buscar informação científica.
Encontrei vários artigos que, em sua maioria, convergiam para o que
alguns consideram referência principal do tema, um artigo publicado
em 2000 no periódico Evolution and Human Behavior, intitulado
Hormonal correlates of paternal responsiveness in new and expectant
fathers dos quais os resultados, no mínimo, põe em cheque as
opiniões dos especialistas consultados pela Veja. Para não estender
muito, este trabalho testou os níveis de diversos hormônios em pais
"grávidos" e "recém paridos". Os resultados resumem o seguinte:
1. Há uma queda nos níveis de testosterona nos pais, no entanto esta
queda não está diretamente relacionada à paternidade pois também é
observada em diversos mamíferos formando casal em relação aos
solteiros.
2. Nos períodos logo após o parto, cerca de dez dias depois, o
contato do homem com o bebê - ou com um boneco de pano - causa uma
diminuição do cortisol (hormônio do estresse) e aumento da
testosterona. Essas duas alterações apontam, ao contrário do que fala
a reportagem - para uma sensação de prazer e retomada da
masculinidade durante o trato com o bebê. Os autores comentam que, do
ponto de vista evolutivo, esta testosterona pode ser importante para
que o macho tome a iniciativa de proteger a prole.
Nos outros comentários que fiz, defendi que a reportagem era, no
mínimo, tendenciosa pois na civilização moderna, os efeitos hormonais
são suprimidos pela razão social. No entanto, agora vejo que nem do
ponto de vista hormonal, a teoria levantada pela reportagem se
sustenta e os "especialistas" consultados por Veja não devem nem se
dado ao trabalho de verificar a literatura científica corrente para
não incorrer nos erros do senso comum.
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Algumas figuras que não pude enviar no email:
A figura ao lado mostra de forma esquemática os níveis de testosterona em machos mamíferos baseado em diversos trabalhos. Reparem que os níveis de testosterona dos pais após o nascimento do bebê é menor quando comparado a machos solteiros mas não quando comparados a machos comprometidos sem filhos. Os seja, não é a paternidade que reduz os níveis de testosterona na maioria dos mamíferos machos, mas o envolvimento em um relacionamento estável. Isso é óbvio, segundo os autores, pois a testosterona estimula o macho a buscar parceiras. Uma vez já estando envolvido com uma parceira,não há necessidade deste hormônio estar aumentado.
Esta figura mostra os níveis de testosterona - Quadro f - em machos no início e final da gestação (early- e late-prenatal) e após 3 ou 7 semanas após o parto (early- e late-postnatal). Este experimento, feito com diversos casais canadenses, mostra que os níveis de testosterona sobem pouco antes do parto, caem logo após o parto e se restabelecem algumas semanas depois. Como a figura do outro artigo, esta mostra não haver diferenças significativas entre homens casados sem ou com filhos.
Esta próxima figura mostra os níveis de testosterona e cortisol destes mesmos pais canadense antes e depois deles ninarem um boneco de pano enquanto ouviam uma gravação com choro de bebê. Parece estranho mas este é um modelo da chamada resposta Situacional, na qual se avalia a resposta dos pais à necessidade de cuidado do bebê. O experimento mostra que o maior aumento causado pelo estímulo do cuidar ocorre justamente nas primeiras semanas após o parto, quando os níveis de testosterona estão mais baixos, assim como a queda no cortisol.
Referências:
Storey e cols., 2000. Hormonal correlates of paternal
responsiveness in new and expectant fathers. Evolution and Human
Behavior, 21:79-95.
Wynne-Edwards, K. E. e Reburn, C. J. 2000. Behavioral endocrinology
of mammalian fatherhood. TREE, 15 (11): 464-468.
A Veja é um lixo, escolhem primeiro uma posição simplificada e que seja do agrado de seus leitores, e escreve o artigo organizando fatos para defendê-la.
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