terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Milho transgênico: Monsanto em cheque!

  Está assolando a internet a notícia da publicação de um estudo que mostra efeitos tóxicos de milhos geneticamente modificados (GM) da Monsanto. Eis o link do artigo original. Este artigo foi publicado no dia 10 de dezembro no periódico especializado International Journal of Biological Sciences e trata de uma nova análise estatística de resultados obtidos pela própria Monsanto. Os dados originais não foram publicados e os autores os obtiveram graças a ações judiciais movidas pela União Européia e pelo Green Peace contra a Monsanto que a obrigaram a revelarem os dados brutos de suas pesquisas.

   O trabalho original, conduzido pela Monsanto foi feito com 1.200 ratos alimentados com três variedades geneticamente modificadas de milho - NK 603, MON 810 e MON 863 - por 90 dias. NK 603 apresenta resistência ao inseticida glifosato (Roundup), produzido pela Monsanto, enquanto MON 810 e MON 863 produzem uma proteína com efeito inseticida.

   Apesar deste ser o maior estudo reportando o efeito de alimentos GM em mamíferos já publicado integralmente, surpreende que, apesar do grande número de ratos no estudo, cada amostra diferente consiste de apenas 10 animais. Este pequeno número de indivíduos em cada condição amostral faz com que haja uma enorme incerteza estatística relacionada aos resultados publicados anteriormente pela Monsanto. Os autores deste novo trabalho comentam que os testes realizados pela Monsanto não foram adequados para este número amostral, induzindo uma interpretação errônea dos dados. Segundo os autores, este novo trabalho - isento - faz análises estatísticas mais adequadas ao número amostral e analisa parâmetros negligenciados pela pesquisa original da Monsanto, como variação de efeito nos diferentes sexos, por exemplo.

   No conjunto original de dados, diversos parâmetros deixaram de ser medidos, como marcadores específicos de hepatotoxicidade. Como os dados originais foram produzidos pela Monsanto, os autores deste novo trabalho não souberam informar o motivo destes importantes marcadores não terem sido medidos.

   Esta nova análise sugeriu a ocorrência de lesão hepática e renal associada ao consumo dos três milhos GM da Monsanto, resultado que não havia sido confirmado anteriormente pela análise da Monsanto. Os autores advertem que esta nova análise não é uma "prova da toxicidade" dos milhos GM da Monsanto mas sim um "sinal de toxicidade". Isso porque os dados apresentam diversas falhas a notar: 1, os experimentos foram conduzidos somente uma vez e em somente uma espécie - no caso, o rato; 2, os experimentos foram conduzidos por pouco tempo - 90 dias - eliminando a possibilidade de detecção de doenças de longo desenvolvimento, como câncer; 3, o número reduzido de animais envolvidos em cada condição testada - somente dez - não permite uma análise estatística com alta confiabilidade. Os autores sugerem que trabalhos similares sejam conduzidos por, pelo menos, dois anos e em, pelo menos, três espécies diferentes antes que qualquer alimento GM seja liberado para consumo humano.

   Ainda segundo os autores, os efeitos tóxicos apresentados provavelmente estão relacionados à presença residual dos inseticidas utilizados - Roundup - nos milhos. Além disso, como cada alimento GM é elaborado com metodologia e características genéticas distintas, cada um deve ser testado separadamente e resultados de um alimento GM não podem, de forma alguma, ser extrapolados para outros.

   O milho MON 810 e NK 603 já tiveram sua comercialização liberadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio - e devem estar em breve, se já não estão, nas mesas dos brasileiros.

   Ainda é cedo para saber os efeitos deste artigo nas ações da Monsanto na bolsa de Nova Iorque (NYSE) mas o fato é que desde o dia 10 de dezembro, as ações da Monsanto caíram quase 3%, enquanto o NYSEI, índice geral da NYSE, subiu mais de 1%. Veja no gráfico abaixo: 

   Uma defasagem de mais de 4% no período. Vamos aguardar para ver se os efeitos desta nova informação serão tão devastadores assim...


sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Freakonomics: um tapa no senso comum.


   Quando lancei este Blog, propondo unir assuntos como Biotecnologia e análise gráfica para bolsa de valores, muitos - inclusive eu mesmo - acharam temas díspares para serem tratados em conjunto. Na verdade, à época, o único ponto em comum que eu vi nestes dois assuntos era o fato de eu gostar dos dois.

   Depois que li Freakonomics, percebi que estes assuntos são mais relacionados que eu - e a maioria - supunha. Freakonomis significa algo como economia excêntrica, ou excentriconomia. Neste sensacional livro, os autores Steven Levitt e Stephen Dubner trazem à tona, com comentários excelentes e bem humorados, trabalhos em economia que provam - ou "desprovam" - pontos de vistas que aos olhos do senso comum - ou como foi traduzido, da sabedoria convencional - pareciam ser totalmente diferente ou desconhecidos. Foi a partir daí que conheci uma ciência extraordinária chamada Microeconomia. Ao contrário da Macroeconomia, que trata de assuntos monetários, financeiros, comerciais - inflação, juros, comércio exterior, etc - a Microeconomia estuda a relação entre acontecimentos cotidianos de nossas vidas e mundo. Através de ferramentas microeconômicas pode-se, por exemplo, estudar e prever as variações de comportamento de grupos sociais, fenômenos naturais e biológicos, etc. Assim como a Ecologia estuda as relações entre os homens e o meio, a Economia as mede matematicamente.

   Para quem não se tocou ainda, a variação de preços das ações da bolsa de valores é regida pelas relações de compra e venda executadas por seres humanos. Essas relações causam flutuações de preço baseadas em sentimentos, principalmente no medo e na ganância. A Microeconomia é responsável pelos cálculos e parâmetros que preveem este comportamento e, consequentemente, os valores das ações no mercado.

   Igualmente, diversas ferramentas estatísticas primordiais para as ciências biotecnológicas, são também fundamentais nas microeconômicas. A interseção que até eu mesmo buscava entre Biotecnologia e bolsa de valores está na Microeconomia. E graças a este livro, descobri isso. 

   Recomendo fortemente a leitura deste livro que traz estudos muito interessantes e curiosos que reforçam a teoria de que todos - absolutamente todos - agimos por força de incentivos - positivos e negativos. Estudos como os que mostram o que professores americanos e lutadores de Sumô têm em comum; corretores de imóveis e a Klu Klux Klan têm em comum; porque as pessoas trapaceiam - e todo mundo o faz. Enfim, uma leitura excelente pra quem gosta de ciência e quer, por isso mesmo, saber como entender o funcionamento das coisas. Abaixo o senso comum!

sábado, 12 de dezembro de 2009

Comentário na Veja: Papai não é mamãe.

 Semana passada, a revista Veja publicou o artigo "Papai não é mamãe" relatando os empecilhos biológicos para que homens sejam capazes de cuidar dos filhos bebês - http://veja.abril.com.br/091209/papai-nao-mamae-p-100.shtml. Enviei alguns comentários para a seção Carta aos Leitores. Um deles foi publicado - http://veja.abril.com.br/161209/leitor.shtml. Como somente um dos comentários foi publicado - e claro, não foi o mais cientificista deles - resolvi postar aqui uma análise dos artigos que encontrei na área.

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Comentário publicado

São válidos os princípios evolutivos que a reportagem usa para justificar aptidões de homens e mulheres em relação ao cuidar dos filhos. No entanto, achar que nossa herança ancestral determina essa capacidade e que estamos biologicamente fadados a esse comportamento é fatalismo e retrocesso. O ser humano tem, por séculos, rompido barreiras vestigiais de seus ancestrais. A prova disso são comportamentos impensáveis para nossos avós geológicos, como adotar uma criança sem nenhuma relação genética consigo e investir esforços no tratamento de uma com anomalia genética ou doença incurável. Além disso, afirmações como "os homens não são fisicamente adaptados para cuidar dos filhos com a mesma desenvoltura que as mulheres" denotam uma visão preconceituosa, desde que o trato diário com uma criança - como dar banho e trocar fralda -, se pensado de forma prática, requer somente habilidade manual e conhecimentos mínimos que podem ser adquiridos em qualquer livro ou website especializado.
Vitor Hugo Moreau
Departamento de Biointeração
Universidade Federal da Bahia
Salvador, BA

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Comentário não publicado:

Instigado pela reportagem, fui buscar informação científica.
Encontrei vários artigos que, em sua maioria, convergiam para o que
alguns consideram referência principal do tema, um artigo publicado
em 2000 no periódico Evolution and Human Behavior, intitulado 
Hormonal correlates of paternal responsiveness in new and expectant 
fathers
dos quais os resultados, no mínimo, põe em cheque as 
opiniões dos especialistas consultados pela Veja. Para não estender 
muito, este trabalho testou os níveis de diversos hormônios em pais
"grávidos" e "recém paridos". Os resultados resumem o seguinte:

1. Há uma queda nos níveis de testosterona nos pais, no entanto esta
queda não está diretamente relacionada à paternidade pois também é
observada em diversos mamíferos formando casal em relação aos
solteiros.

2. Nos períodos logo após o parto, cerca de dez dias depois, o
contato do homem com o bebê - ou com um boneco de pano - causa uma
diminuição do cortisol (hormônio do estresse) e aumento da
testosterona. Essas duas alterações apontam, ao contrário do que fala
a reportagem - para uma sensação de prazer e retomada da
masculinidade durante o trato com o bebê. Os autores comentam que, do
ponto de vista evolutivo, esta testosterona pode ser importante para
que o macho tome a iniciativa de proteger a prole.

Nos outros comentários que fiz, defendi que a reportagem era, no
mínimo, tendenciosa pois na civilização moderna, os efeitos hormonais
são suprimidos pela razão social. No entanto, agora vejo que nem do
ponto de vista hormonal, a teoria levantada pela reportagem se
sustenta e os "especialistas" consultados por Veja não devem nem se
dado ao trabalho de verificar a literatura científica corrente para
não incorrer nos erros do senso comum.

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 Algumas figuras que não pude enviar no email:

 A figura ao lado mostra de forma esquemática os níveis de testosterona em machos mamíferos baseado em diversos trabalhos. Reparem que os níveis de testosterona dos pais após o nascimento do bebê é menor quando comparado a machos solteiros mas não quando comparados a machos comprometidos sem filhos. Os seja, não é a paternidade que reduz os níveis de testosterona na maioria dos mamíferos machos, mas o envolvimento em um relacionamento estável. Isso é óbvio, segundo os autores, pois a testosterona estimula o macho a buscar parceiras. Uma vez já estando envolvido com uma parceira,não há necessidade deste hormônio estar aumentado.

 Esta figura mostra os níveis de testosterona - Quadro f - em machos no início e final da gestação (early- e late-prenatal) e após 3 ou 7 semanas após o parto (early- e late-postnatal). Este experimento, feito com diversos casais canadenses, mostra que os níveis de testosterona sobem pouco antes do parto, caem logo após o parto e se restabelecem algumas semanas depois. Como a figura do outro artigo, esta mostra não haver diferenças significativas entre homens casados sem ou com filhos.

 Esta próxima figura mostra os níveis de testosterona e cortisol destes mesmos pais canadense antes e depois deles ninarem um boneco de pano enquanto ouviam uma gravação com choro de bebê. Parece estranho mas este é um modelo da chamada resposta Situacional, na qual se avalia a resposta dos pais à necessidade de cuidado do bebê. O experimento mostra que o maior aumento causado pelo estímulo do cuidar ocorre justamente nas primeiras semanas após o parto, quando os níveis de testosterona estão mais baixos, assim como a queda no cortisol.

  Referências:
Storey e cols., 2000. Hormonal correlates of paternal
responsiveness in new and expectant fathers. Evolution and Human
Behavior
, 21:79-95.
Wynne-Edwards, K. E. e Reburn, C. J. 2000. Behavioral endocrinology
of mammalian fatherhood. TREE, 15 (11): 464-468.