Recentemente, recebi de um amigo uma postagem de um blog que dizia acabar com o mito da pedalada puxada, dizendo que "a ciência mostra que a puxada na pedalada é irrelevante para a geração de força". O blog é recheado de informações pseudo-científicas: traz um vídeo de um especialista e cita o Dr. Jeff Broker. Em uma busca por artigos do Dr. Brokes nas principais bases de dados de artigos científicos do mundo, o PubMed e o Web of Science, não encontrei este trabalho e o trabalho mais recente do Dr. Brokes sobre o assunto data de 2001 e não menciona o uso de clipes de pedal.
De qualquer forma, existe muita literatura mais recente sobre o assunto. Então resolvi fazer um levantamento verdadeiramente científico sobre o tema: pedalar puxando o pedal para melhorar a pedalada é mito ou verdade?
Antes de iniciar, temos que esclarecer alguns parâmetros para melhor compreensão:
EP (Efetividade da força): força entregue aos pedais durante a pedalas. Quanto maior a Efetividade, mais forte e eficiente é a pedalada;
EB (Eficiência bruta): EP corrigida pela quantidade de energia gasta pelo ciclista. Quando maior a Eficiência, menos energia o ciclista gasta para manter aquela potência de pedal;
Regularidade de Distribuição do Torque: distribuição de força entregue aos pedais durante o ciclo da pedalada. É uma medida da variação da força exercida nos pedais conforme se gira. Quanto maior a força em uma só direção - para baixo - por exemplo, menor a Regularidade.
A principal limitação dos trabalhos sobre o tema está no uso de sistemas ergométricos com potência e cadência de pedal constantes, o que simula bem a realidade de bicicletas de estrada (speed) mas não a de Mountain Bike, onde o posicionamento do ciclista e a potência e cadência de pedal mudam a todo o momento. Dois trabalhos clássicos apresentam as figuras representadas abaixo:
As Figuras mostram a força (Torque) da pedalada em função do ângulo do pedal. A 90o, com os pedais na horizontal, a força é máxima (para baixo), chegando perto de zero a 180o, com os pedais na vertical, a força é próxima de zero e chega ao valor mínimo a 270o, com os pedais na horizontal novamente.
A Figura superior (MORNIEUX et al., 2008) mostra o perfil de dois grupos: Ciclistas de elite e Não-ciclistas, utilizando três condições: pedais comuns de plataforma, pedais com clipes (Clipless - erroneamente traduzidos para o português) e pedais forçando a pedalada puxada (Clipless Feedback).
A Figura inferior (KORFF et al., 2007) mostra o mesmo gráfico com ciclistas de elite orientados a pedalar com sua técnica preferida (Preferred), forçando a pedalada circular (Circuling), forçando a puxada (Pulling) ou somente empurrando (Pushing).
Pelos dois gráfico, percebe-se que a força diminui quando se puxa o pedal, tanto em 90o quanto em 270o. Como estes experimentos são feitos com a potência de pedalada constante (200 wattz e 90 rpm), isso significa que os ciclistas fazem menos força para manter o mesmo giro e a mesma potência entregue aos pedais.
Como resultado, a Efetividade da força e a Regularidade do Torque são maiores quando a pedala inclui a puxada, conforme demonstrado na Figura abaixo (KORFF et al., 2007):
A figura mostra que existe um aumento significativo da Efetividade da força (B) e a Regularidade do Torque (A) com a utilização da puxada (Pulling) na pedalada em relação a todas as outras formas de pedalar, inclusive àquelas preferidas dos ciclistas. Monieux e colaboradores (2010) mostra resultados semelhantes. Na Figura abaixo, a Efetividade é mostrada em função dos quatro quartos de volta da pedalada, mostrando que o aumento é observado tanto nos primeiros 90o, quanto entre 180o e 360o:
A desvantagem observada na pedalada puxada se encontra na Eficiência bruta da pedalada, ou seja, na relação entre a Efetividade da força e o Gasto metabólico, a energia gasta pelo ciclista durante a pedalada. O gasto metabólico pode ser calculado pelo volume de oxigênio utilizado e de gás carbônico produzido durante a pedalada. Estes resultados podem ser vistos na Tabela abaixo (MORNIEUX et al., 2008):
A Tabela mostra, no quadro vermelho, que a Efetividade da força (IE) é maior na pedalada puxada (Clipless feedback) do que as outras técnicas em todos os quadrantes do giro dos pedais (360, DOWN e UP). No entanto, a Efetividade Bruta (NE), no quadro amarelo, é menor na pedalada puxada do que nas outras técnicas. O mesmo resultado pode ser observado por Korff e colaboradores (2007) na Figura abaixo, onde a pedalada puxada (Pulling) mostra menor Eficiência que todas as outras técnicas:
Em suma, apesar da pedalada puxada adicionar potência ao pedal, o gasto energético do ciclista é maior, tornando a pedalada menos eficiente a longo prazo. Mas porquê esse gasto energético extra? A resposta está no grupo de músculos utilizados para empurrar e puxar os pedais. A força que fazemos para empurrar os pedais vem, principalmente de três músculos: Gastrocnêmico, Vasto medial (Quadríceps) e Glúteo Maximus, mostrado respectivamente na Figura abaixo:
Enquanto que os músculos utilizados para puxar os pedais são, principalmente, Tibial anterior e Bíceps femural, mostrados, respectivamente, na Figura abaixo:
A Tabela abaixo mostra a ativação destes músculos, medida por eletromiografia, durante a pedalada utilizando pedais (Pedals), clipes com pedalada somente empurrada (Clipless) e clipes com pedalada puxada (Clipless feedback) (MORNIEUX et al., 2008), nas quais a ativação desses músculos pode ser notada pelo aumento da atividade em cada tipo de pedalada:
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Músculos envolvidos principalmente no ato de empurrar para a pedalada circundados em vermelho e no ato de puxar os pedais, circundados em amarelo. |
Os músculos mais envolvidos com o ato de empurrar os pedais possuem as Eficiências brutas maiores do que os músculos envolvidos com a puxada. Isso é sugerido até pelos seus tamanhos. Ou seja, quando recrutamos os músculos responsáveis pela puxada dos pedais, gastamos mais energia relativa, por isso a Eficiência bruta da pedalada fica menor. No entanto, se considerarmos que em algumas situações uma potência extra pode ser requerida, pode-se concluir que a pedalada com puxada pode ser capaz de fornecer essa potência extra. Segundo palavras dos próprios autores de um dos artigos:
"Although our results suggest that actively pulling on the pedal reduces gross efficiency during steady-state cycling, there may be situations during which an active pull is beneficial in terms of adding power to the crank (e.g., during maximal power sprinting)."
KORFF et al., 2007
Em se tratando de ciclismo de estrada, isso pode ocorrer somente em um sprint, no entanto, em Mountain Bike acontece a todo momento; para subir uma ladeira técnica, escalar uma pedra ou barranco íngreme ou para vencer um obstáculo. Ou seja pedalar puxando o pedal quando potência extra é necessária, longe de ser um mito, pode ser uma ferramenta extremamente importante e necessária, principalmente em Mountain Bike,
Referências
KORFF, T., ROMER, L.M., MAYHEW, I., MARTIN, J.C. Effect of pedaling technique on mechanical effectiveness and efficiency in cyclists. Med Sci Sports Exerc. 39(6):991-5. 2007.
MORNIEUX, G., STAPELFELDT, B., GOLLHOFER, A., BELLI, A. Effects of pedal type and pull-up action during cycling. Int J Sports Med. 29(10):817-22. 2008.
MORNIEUX, G., GOLLHOFER, A., STAPELFELDT, B. Muscle coordination while pulling up
during cycling. Int J Sports Med. 31(12):843-6. 2010.
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