quinta-feira, 4 de junho de 2015

Para ciclistas: pedalar puxando o pedal para melhorar a pedalada é mito ou verdade?

   Quem gosta de pedalar, como eu, e utiliza os chamados clipes de pedal sabe as vantagens de se pedalar com este acessório. O clipe de pedal é um acessório que fixa os pedais da bicicleta na sapatilha do ciclista através de um taco de metal e um grampo. Este grampo permite que o ciclista fique literalmente grudado na bicicleta e, dessa forma, ambos se comportam como um só. Além da estabilidade, o ciclista pode utilizar uma técnica de pedalar puxando o pedal, além de empurrando, o que confere mais potência no pedal.
   Recentemente, recebi de um amigo uma postagem de um blog que dizia acabar com o mito da pedalada puxada, dizendo que "a ciência mostra que a puxada na pedalada é irrelevante para a geração de força". O blog é recheado de informações pseudo-científicas: traz um vídeo de um especialista e cita o Dr. Jeff Broker. Em uma busca por artigos do Dr. Brokes nas principais bases de dados de artigos científicos do mundo, o PubMed e o Web of Science, não encontrei este trabalho e o trabalho mais recente do Dr. Brokes sobre o assunto data de 2001 e não menciona o uso de clipes de pedal.
   De qualquer forma, existe muita literatura mais recente sobre o assunto. Então resolvi fazer um levantamento verdadeiramente científico sobre o tema: pedalar puxando o pedal para melhorar a pedalada é mito ou verdade?
   Antes de iniciar, temos que esclarecer alguns parâmetros para melhor compreensão:
   EP (Efetividade da força): força entregue aos pedais durante a pedalas. Quanto maior a Efetividade, mais forte e eficiente é a pedalada;
   EB (Eficiência bruta): EP corrigida pela quantidade de energia gasta pelo ciclista. Quando maior a Eficiência, menos energia o ciclista gasta para manter aquela potência de pedal;
   Regularidade de Distribuição do Torque: distribuição de força entregue aos pedais durante o ciclo da pedalada. É uma medida da variação da força exercida nos pedais conforme se gira. Quanto maior a força em uma só direção - para baixo - por exemplo, menor a Regularidade.
   A principal limitação dos trabalhos sobre o tema está no uso de sistemas ergométricos com potência e cadência de pedal constantes, o que simula bem a realidade de bicicletas de estrada (speed) mas não a de Mountain Bike, onde o posicionamento do ciclista e a potência e cadência de pedal mudam a todo o momento. Dois trabalhos clássicos apresentam as figuras representadas abaixo:




   As Figuras mostram a força (Torque) da pedalada em função do ângulo do pedal. A 90o, com os pedais na horizontal, a força é máxima (para baixo), chegando perto de zero a 180o, com os pedais na vertical, a força é próxima de zero e chega ao valor mínimo a 270o, com os pedais na horizontal novamente.
   A Figura superior (MORNIEUX et al., 2008) mostra o perfil de dois grupos: Ciclistas de elite e Não-ciclistas, utilizando três condições: pedais comuns de plataforma, pedais com clipes (Clipless - erroneamente traduzidos para o português) e pedais forçando a pedalada puxada (Clipless Feedback).
   A Figura inferior (KORFF et al., 2007) mostra o mesmo gráfico com ciclistas de elite orientados a pedalar com sua técnica preferida (Preferred), forçando a pedalada circular (Circuling), forçando a puxada (Pulling) ou somente empurrando (Pushing).
   Pelos dois gráfico, percebe-se que a força diminui quando se puxa o pedal, tanto em 90o quanto em 270o. Como estes experimentos são feitos com a potência de pedalada constante (200 wattz e 90 rpm), isso significa que os ciclistas fazem menos força para manter o mesmo giro e a mesma potência entregue aos pedais.
   Como resultado, a Efetividade da força e a Regularidade do Torque são maiores quando a pedala inclui a puxada, conforme demonstrado na Figura abaixo (KORFF et al., 2007):

   A figura mostra que existe um aumento significativo da Efetividade da força (B) e a Regularidade do Torque (A) com a utilização da puxada (Pulling) na pedalada em relação a todas as outras formas de pedalar, inclusive àquelas preferidas dos ciclistas. Monieux e colaboradores (2010) mostra resultados semelhantes. Na Figura abaixo, a Efetividade é mostrada em função dos quatro quartos de volta da pedalada, mostrando que o aumento é observado tanto nos primeiros 90o, quanto entre 180o e 360o:
   A desvantagem observada na pedalada puxada se encontra na Eficiência bruta da pedalada, ou seja, na relação entre a Efetividade da força e o Gasto metabólico, a energia gasta pelo ciclista durante a pedalada. O gasto metabólico pode ser calculado pelo volume de oxigênio utilizado e de gás carbônico produzido durante a pedalada. Estes resultados podem ser vistos na Tabela abaixo (MORNIEUX et al., 2008):


      A Tabela mostra, no quadro vermelho, que a Efetividade da força (IE) é maior na pedalada puxada (Clipless feedback) do que as outras técnicas em todos os quadrantes do giro dos pedais (360, DOWN e UP). No entanto, a Efetividade Bruta (NE), no quadro amarelo, é menor na pedalada puxada do que nas outras técnicas. O mesmo resultado pode ser observado por Korff e colaboradores (2007) na Figura abaixo, onde a pedalada puxada (Pulling) mostra menor Eficiência que todas as outras técnicas:

    Em suma, apesar da pedalada puxada adicionar potência ao pedal, o gasto energético do ciclista é maior, tornando a pedalada menos eficiente a longo prazo. Mas porquê esse gasto energético extra? A resposta está no grupo de músculos utilizados para empurrar e puxar os pedais. A força que fazemos para empurrar os pedais vem, principalmente de três músculos: Gastrocnêmico, Vasto medial (Quadríceps) e Glúteo Maximus, mostrado respectivamente na Figura abaixo:
Enquanto que os músculos utilizados para puxar os pedais são, principalmente, Tibial anterior e Bíceps femural, mostrados, respectivamente, na Figura abaixo:
   A Tabela abaixo mostra a ativação destes músculos, medida por eletromiografia, durante a pedalada utilizando pedais (Pedals), clipes com pedalada somente empurrada (Clipless) e clipes com pedalada puxada (Clipless feedback) (MORNIEUX et al., 2008), nas quais a ativação desses músculos pode ser notada pelo aumento da atividade em cada tipo de pedalada:
Músculos envolvidos principalmente no ato de empurrar para a pedalada circundados em vermelho e no ato de puxar os pedais, circundados em amarelo.

   Os músculos mais envolvidos com o ato de empurrar os pedais possuem as Eficiências brutas maiores do que os músculos envolvidos com a puxada. Isso é sugerido até pelos seus tamanhos. Ou seja, quando recrutamos os músculos responsáveis pela puxada dos pedais, gastamos mais energia relativa, por isso a Eficiência bruta da pedalada fica menor. No entanto, se considerarmos que em algumas situações uma potência extra pode ser requerida, pode-se concluir que a pedalada com puxada pode ser capaz de fornecer essa potência extra. Segundo palavras dos próprios autores de um dos artigos:

 "Although our results suggest that actively pulling on the pedal reduces gross efficiency during steady-state cycling, there may be situations during which an active pull is beneficial in terms of adding power to the crank (e.g., during maximal power sprinting)."
KORFF et al., 2007

   Em se tratando de ciclismo de estrada, isso pode ocorrer somente em um sprint, no entanto, em Mountain Bike acontece a todo momento; para subir uma ladeira técnica, escalar uma pedra ou barranco íngreme ou para vencer um obstáculo. Ou seja pedalar puxando o pedal quando potência extra é necessária, longe de ser um mito, pode ser uma ferramenta extremamente importante e necessária, principalmente em Mountain Bike,

Referências
KORFF, T., ROMER, L.M., MAYHEW, I., MARTIN, J.C. Effect of pedaling technique on mechanical effectiveness and efficiency in cyclists. Med Sci Sports Exerc. 39(6):991-5. 2007.
MORNIEUX, G., STAPELFELDT, B., GOLLHOFER, A., BELLI, A. Effects of pedal type and pull-up action during cycling. Int J Sports Med. 29(10):817-22. 2008.
MORNIEUX, G., GOLLHOFER, A., STAPELFELDT, B. Muscle coordination while pulling up
during cycling. Int J Sports Med. 31(12):843-6. 2010.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Quando Roubar um Banco

    Os autores dos sucessos de vendas e crítica Freakonomics e Superfreakonomics, Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner estão lançando o terceiro livro da série: When To Rob a Bank. O livro será lançado em 5 de maio e já está em pré-venda pela Amazon. Eu, por via das dúvidas, já garanti o meu.



   Ansioso para conferir se a dupla conseguiu manter o padrão dos dois primeiros livros da série.

sábado, 28 de março de 2015

Nós não viemos do macaco!

    Evolução é a mudança ocorrida nas características hereditárias dos seres vivos de geração em geração, responsável pela diversidade biológica e pela origem das espécies. Segundo a Teoria postulada por Charles Darwin em 1859 e publicada em A Origem as Espécies, todas as formas de vida do planeta teriam evoluído a partir de um único ancestral comum que teria vivido cerca de 3,5 a 4 bilhões de anos atrás.
    Quando se fala em Evolução, tenho ouvido algumas pessoas cometerem dois erros fundamentais: 1. Evolução é apenas uma teoria; e 2. Nós descendemos dos macacos. Resolvi então, nessa postagem, tentar explicar essas questões.
    Tem se tornado algo comum pessoas esclarecidas afirmarem que a Evolução é apenas uma teoria, o que deixaria margem para não ser verdadeira. Essa afirmação vem do desconhecimento científico e da desinformação. Na linguagem vulgar, teoria dá a conotação de uma opinião pessoal sem fundamentação ou, até mesmo, uma afirmação que não pode ser comprovada (“é somente uma teoria”). Em Ciência o termo Teoria tem outra conotação: uma explicação bem embasada e referenciada para algum fenômeno. Exemplificamos com a Teoria da Relatividade, a Teoria da Gravidade e a Teoria do Big-Bang. Assim é a Evolução, uma Teoria cujas evidências continuam se acumulando e sendo testadas nos mais diversos campos da Ciência. Uma Teoria que explica um fenômeno da natureza, a Evolução.
    O principal argumento das pessoas que me afirmam isso está – dizem elas – na inexistência do tão afamado “elo perdido”; outro fruto do desconhecimento científico. O que o vulgo chama de “elo perdido” trata-se de fósseis transacionais ou intermediários; registros fósseis de organismos que possuem concomitantemente características de um grupo ancestral e de um grupo descendente.     Diversos exemplos de fósseis transacionais foram descobertos e publicados para as mais diversas espécies. Entre elas: Tiktaalik roseae (1), um peixe com característica tetrápode (quatro pés) que teria sido a ligação entre vertebrados aquáticos e terrestres; ou o Archaeopteryx (2), um pássaro primitivo com diversas características dos répteis, que fechou de vez a Teoria de que os pássaros evoluíram a partir dos dinossauros.


Reconstituição do Tiktaalik roseae a partir de registros fósseis.

Reconstituição do Archaeopteryx a partir de registros fósseis.

    Ok, muitas dessas pessoas poderiam argumentar que em seres humanos não há nada evidenciado e que não há “elo perdido”. Mesmo considerando que o Homo sapiens é apenas uma das centenas de milhares de espécies no planeta e que a necessidade de haver um “elo perdido” para a evolução humana é apenas uma visão antropocentrista, esse pensamento ainda é fruto do desconhecimento. Em 1891, foi encontrado um esqueleto, em Java, com características de primatas ancestrais, como um molar maior do que qualquer dente de hominídio moderno, mas com o fêmur alongado e inserção pélvica sugerindo a postura ereta. Esse organismo foi denominado Pithecanthropus erectus (homem-macaco ereto)(3). Após este, vários outros fósseis transacionais foram encontrados ligando características do gênero Homo, ao qual nós pertencemos, ao gênero Pan, ocupado pelos chimpanzés e bonobos. Um dos mais famosos Fósseis Transacionais é Lucy, um esqueleto 40% preservado de Australopithecus afarensis, um ancestral entre o Homo bípede e nossos antepassados quadrúpedes, como o chimpanzé e o gorila (4). Mas o registro mais contundente de Fóssil Transacional entre humanos e os antigos primatas foi publicado em 2004 na revista Science: o Pierolapithecus catalaunicus, apresentando características de macacos, presentes nos grandes primatas (apes) mas com uma estrutura corporal que permitia a postura ereta (5).

Lucy. Reconstituição do Australopithecus afarensis, a partir de registros fósseis.

    Como visto, não temos simplesmente O Elo Perdido mas uma série de elos perdidos; diversos registros fósseis de transição que mostram características dos antigos primatas, presentes nos chimpanzés, bonobos, orangotangos e gorilas, em conjunto com características humanas modernas, como a postura ereta.
As afirmações acima nos remetem ao segundo erro: segundo a evolução, nós não descendemos dos macacos. Isso é um erro conceitual grave. Homens e macacos, assim como todas as espécies que existem – até as bactérias – são organismos modernos que sobreviveram a milênios de evolução sobre seus ancestrais. Homens e chimpanzés possuem ancestrais comuns. Esses ancestrais comuns – genericamente chamados de LUCA (Last Unknown Common Ancestral) seriam espécies extintas que foram sucedidos por uma linha evolutiva, devido à Seleção Natural, até nós ou até os chimpanzés.
Então quando seu amiguinho perguntar por que o macaco do zoológico não evolui para homem, você pode responder: “Ele evolui sim mas não para homem. Na verdade, ele está evoluindo. Se você quiser esperar, em uma ou duas milhões de gerações, ele deverá se tornar uma versão evoluída de um chimpanzé, talvez até inteligente, mas nunca será um homem”.
    Os artigos da paleontologia modernos nem tentam mais comprovar a Evolução nos dias de hoje. Tantas evidências comprovam tão claramente as Teorias de Darwin que diversos achados e outras teorias se embasam nela para justificar, explicar e desenvolver seus resultados. Ciências sociais, geológicas, climatológicas, genéticas e diversas outras áreas comprovam a Evolução como um fato e utilizam seus postulados. Se algo equivocado ou errado existisse na Teoria da Evolução, algum desses achados mostrariam-se em desacordo com a mesma.
    Uma revisão muito interessante publicada na revista Seminars in Cell & Developmental Biology traça um perfil filogenético de diversas espécies de hominínios baseados na morfologia dos crânios (6) e ajuda a entender melhor as questões relacionadas aos dois erros comuns que mencionei:

    Árvore filogenética calculada a partir da comparação anatômica de crânios encontrados em fósseis. A posição de cada crânio no eixo Y indica sua forma craniana (tamanho da face/tamanho da caixa encefálica). O número acima de cada crânio indica o volume endocraniano (volume interno da caixa craniana). Os números em cada galho da árvore filogenética (Painel de baixo) indicam a data estimada da divergência evolutiva entre as espécies. (P. paniscus = bonobo; P. troglodytes = chimpanzé)

    A Figura acima mostra a comparação dos crânios achados em fósseis de hominínios de diversas eras. Sua relação evolutiva é mostrada em uma árvore filogenética calculada a partir destas comparações. Os números nos nós da árvore indicam o tempo decorrido desde a divergência entre as espécies mostradas nos galhos, ou seja, a época provável em que viveu seu ancestral comum. Esse esquema é bem ilustrativo para demonstrar a correção do erro 2, do qual falei. Pan Troglodites (chimpanzé) não é um ancestral de Homo sapiens (nós), nem vai evoluir até Homo porque, para isso, precisaria involuir 7 milhões de anos até o nosso ancestral comum e depois evoluir novamente por mais 7 milhões de anos até nós. Algo,  sim,  impossível.

REFERÊNCIAS
1.       EDWARD, B. DAESCHLER, N. H. SHUBIN AND FARISH A. JENKINS, JR (2006). "A Devonian tetrapod-like fish and the evolution of the tetrapod body plan". Nature 440, 7085:757–763. PMID 16598249.
2.       GODEFROIT, P.; CAU, A.; HU, D.; ESCUILLIÉ, F.; WU, W.; DYKE, G. (2013). "A Jurassic avialan dinosaur from China resolves the early phylogenetic history of birds". Nature 498, 7454:359–362. PMID 23719374
3.       ANTON, S. C. (2003) “Natural History of Homo erectus” Yearbook Of Physical Anthropology 46:126–170. PMID: 14666536
4.       WHITE, T.D. , SUWA, G., SIMPSON, S., ASFAW, B. (2000). "Jaws and teeth of Australopithecus afarensis from Maka, Middle Awash, Ethiopia". American Journal of Physical Anthropology 111 (1: 45–68. PMID 10618588.
5.       MOYA-SOLA, S., KOHLER, M., ALBA, D. M. CASANOVAS-VILAR, I., GALINDO, J. (2004) “Pierolapithecus catalaunicus, a New Middle Miocene Great Ape from Spain”. Science 306, 1339-1344. PMID: 15550663.
6.       Zollikofer, C. P. E., León, M. S. P. (2010) The evolution of hominin ontogenies. Seminars in Cell & Developmental Biology, 21:441–452. PMID: 19900572.