quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O fantasma do glúten. Ou do "gluten-free".

Temos visto diversas celebridades se vangloriando de ter uma alimentação livre de glúten. Pessoas dizendo que glúten é tão perigoso que o escrito "contém glúten" deve vir escrito em todos os alimentos. Um texto hospedados no site do Senado Federal chega ao absurdo:

...o glúten transforma-se em uma espécie de cola grudando nas paredes intestinais. Com o passar do tempo, provoca saturação do aparelho digestivo, aumento da gordura na região do abdome, dores articulares, alergias cutâneas e depressão.

Absurdo!

Glúten é um constituinte do trigo formado principalmente por proteínas. Pode ser obtido pela lavagem da farinha para retirada do amido. Além de proteínas, o glúten contém amido e cerca de 10% de lipídios.

Algumas pessoas - cerca de 1% da população nos E.U.A.N. - desenvolvem uma alergia à porção protéica de glúten que leva à inflamação da mucosa intestinal, resultando em má absorção de nutrientes e uma série de sintomas intestinais conhecidos como Doença Celíaca (coeliac disease). Esta condição é grave e os portadores devem ser alertados quanto à presença de glúten nos alimentos industrializados. Daí o aviso nas embalagens.

O problema reside num modismo recente que, por conta da doença celíaca, trata o glúten como veneno. Pessoas que não são portadoras desta doença fazem dietas gluten-free baseadas somente em opiniões equivocadas ou mal intencionadas divulgadas principalmente pela internet. Não há evidências de que pessoas que não sejam portadoras de doença celíaca apresentem qualquer problema ao ingerirem glúten.

Caminero e colaboradores (Europian Journal of Nutrition, 2011) mostram que, pelo contrário, quanto mais glúten as pessoas ingerem maior é a produção de uma enzima responsável pela digestão desse glúten por bactérias da microbiota intestinal normal dessas pessoas. Essa enzima, a glutinase tem maior atividade quanto maior for a ingesta de glúten, indicando que nossa microbiota intestinal tem condições de lidar normalmente com o glúten ingerido, mesmo em quantidades muito maiores do que as normalmente consumidas por um indivíduo normal.

Na verdade, toda proteína ingerida pelo homem é digerida incompletamente e acaba sendo liberada nas fezes, inclusive a tão bem tolerada, clara de ovo.

Existe, sim, problema no modismo do gluten-free. Katy Steinmetz (2011) refere um alerta feito por pesquisadores e médicos norte-americanos pela revista Time - sim, a Time é indexada pelo PubMed - em relação ao modismo do gluten-free. Segundo eles, a maioria das pessoas que fazem uma dieta gluten-free não são portadores de doença celíaca e o selo "gluten-free" tem se tornado uma fonte de lucro das indústrias alimentícias. Segundo o autor, por se tratar de um modismo, o selo "gluten-free" tem sido usado inapropriadamente como estratégia de venda. Ele cita um caso onde um fabricante imprimiu o aviso "gluten-free" em seu pão feito com trigo e causou a morte de diversas pessoas que eram realmente portadoras de doença celíaca, sendo condenado a 11 anos de prisão.

Enfim, não há indícios que possam embasar uma dieta livre de glúten por pessoas não portadoras de doença celíaca. Pelo contrário, o modismo ignorante pode vir até a causar prejuízos para quem realmente sofre desta grave condição.

Referências:

Caminero e cols. 2011. Eur J Nutr. no prelo. http://dx.doi.org/10.1007/s00394-011-0214-3

Steinmetz K. 2011. Time. 177(21):64.

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