Pouca informação ainda existe sobre como estes pigmentos interagem com nosso organismo, como são metabolizados e qual o real impacto toxicológico deles. No entanto, fazendo uma busca na literatura corrente - como pressupõe a motivação deste blog - achei algumas informações que explicam as afirmações, a princípio descabidas, que ouvimos nos estúdios de tatuagem, como: "depois de um tempo de seção a pele rejeita e cospe a tinta" e etc.
As tintas para tatuagem são compostas de pigmentos insolúveis em água veiculados com dióxido de titânio que são injetados na pele pelas agulhas. Por serem insolúveis, estes componentes permanecem em estado sólido na derme - camada profunda da pele - não sendo removidos pelos nossos sistemas de defesa. Originalmente, estes pigmentos consistiam de misturas de carvão - no caso da tinta preta - ou de sais inorgânicos principalmente de metais pesados como mercúrio, prata e chumbo - no caso das coloridas. A descoberta da toxicidade destes compostos fez a indústria de tintas buscar pigmentos orgânicos que pudessem ser utilizados com mesmo resultado. Embora não haja estudos completos sobre o toxicidade desses pigmentos, o FDA não aprova o uso de nenhum deles e a ANVISA deu um prazo de até fevereiro de 2010 para que a indústrias façam o registro de suas tintas. Abaixo alguns dos pigmentos orgânicos utilizados nas tintas modernas:
A partir do superior esquerdo, em sentido horário, pigmentos azul, vermelho, verde e amarelo.
A localização do pigmento depende da idade da tatuagem. Durante os primeiros 15 dias após o procedimento, os pigmentos se concentram na interface derme-epiderme, abaixo da camada de queratinização/cicatrização. Parte do pigmento é perdido nestes processos. A recomendação de não arrancar a famosa casquinha existe pois a retirada da mesma pode remover fisicamente o pigmento, dilacerando as camadas da derme abaixo da cicatrização (Lea & Pawlowski, 1987). Quando a tatuagem sara - o que leva cerca de quinze dias - a maior parte do pigmento se concentra nas várias camadas da derme (Sperry, 1992). Abaixo um corte histológico mostrando a localização do pigmento vermelho na derme:
Os pigmentos insolúveis permanecem parte no interstício - nome dado ao meio externo às células - recobrindo os fibroblastos ou, ainda, endocitados por macrófagos e encapsulados em vacúolos intracelulares. As partículas de pigmento que permanecem na derme causam diminuição da produção de colágeno, o que pode estar associado a diversas complicações dermatológicas potencialmente causadas pela tatuagem (Falconi e cols., 2009). Além de encapsular as partículas partículas de pigmento, os macrófagos têm a capacidade de metabolizá-los através do sistema citocromo P450 - responsável pelo metabolismos dos chamados xeno-compostos, substâncias estranhas e potencialmente danosas ao organismo - transformando-os em substâncias solúveis que podem ser eliminadas via circulação linfática (Cui e cols., 2005; Baron e cols., 1998). Parece claro então que quanto maior a proporção de pigmento endocitado por macrófagos, maior será a perda de coloração por metabolização do pigmento, já que parte deste será eliminado.
A figura abaixo mostra um foto de microscopia eletrônica com fibroblastos em cultura com a superfície impregnada com o pigmento de tatuagem:
A escarificação da pele pela agulha, gera uma intensa reação inflamatória local, com repercussões sistêmicas, que leva ao recrutamento de macrófagos à derme sendo tatuada. Quanto mais longa a duração da seção de tatuagem, maior a reação inflamatória e mais macrófagos serão recrutados para o local. Daí a afirmação dos tatuadores de que a pele se torna "resistente" e ainda que "cospe" a tinta, deixando partes descoloridas no desenho. O ideal é que cada seção não dure mais do que 2 horas para evitar perda de pigmentação.
Infelizmente, poucos estudos têm sido feito com interesse de melhorar a qualidade dos pigmentos, desenhos ou técnicas de tatuagem, mais sim na melhora dos procedimentos de remoção cirúrgica ou a laser das tatuagens - como é o caso dos que foram citados aqui. De qualquer forma, a interação tecido-pigmento pode ser um campo interessante de pesquisa biotecnológica para melhoria dos pigmentos visto que a procura por esta arte tem sido crescente - mesmo depois de milênios - em todo o mundo.