domingo, 15 de novembro de 2009

Alimentos orgânicos e os pingos no is.

 Tenho sido assediado por amigos em relação ao consumo de alimentos orgânicos. Como todos devem saber, os alimentos ditos "orgânicos" são aqueles cultivados "sem uso de substâncias que coloquem em risco a saúde humana e o meio ambiente. Não são utilizados fertilizantes sintéticos solúveis, agrotóxicos e transgênicos". Tudo isso faz desses alimentos uma alternativa saudável em relação à ingestão de resíduos de fertilizantes, herbicidas e defensivos utilizados nas lavouras convencionais.

 Nesse aspecto, considero tudo "ok" - fora o preço dos alimentos orgânicos que muitas vezes se justifica pelo custo aumentado deste tipo de manejo. Minhas objeções começam quando pseudo-especialistas tentam referenciar suas "verdades" em informações incorretas, incompletas ou equivocadas. Isso é o que mais ocorre em campos de atuação onde comportamentos são motivados por ganhos financeiros,  como é o caso do consumo de alimentos orgânicos. Vários sites, inclusive o site oficial do Ministério da Agricultura (www.prefiraorganicos.com.br), dizem que os alimentos orgânicos são mais nutritivos "mais saborosos e com todas as vitaminas e minerais preservados".

 Estas afirmações - juntamente com minha natural aversão à informações mal referenciadas de senso comum - me fizeram envolver-me em uma breve pesquisa no Estado da Arte. Apresento nesta postagem um resumo do que encontrei - em artigos científicos, é claro! - em relação ao teor de micronutrientes - e esclareço que por micronutrientes entende-se vitaminas, minerais, substâncias antioxidantes, etc - de alguns alimentos orgânicos em comparação com os não orgânicos, ditos convencionais.

 1. Tomate. Sem dúvida tomates são os alimentos mais estudados em relação às diferenças nutricionais entre orgânicos e convencionais. Apesar disso, pouquíssimos artigos - encontrei somente 4 de 2004 pra cá na maior base de artigos biomédicos do mundo (www.pubmed.com) - foram publicados. JUROSZEK e colaboradores (2008) estudaram os teores dos antioxidantes betacaroteno, licopeno, ácido ascórbico (vitamina C) e fenólicos, não encontrando diferenças significativas entre tomates orgânicos e convencionais. BARRETT e colaboradores (2007) em estudo semelhante concluíram que o suco de tomates convencionais é mais colorido e rico em ácido ascórbico e fenólicos, enquanto o de tomates orgânicos é mais ácido e contém mais matéria sólida. CARIS-VEYRAT e colaboradores (2006) detectaram um aumento nos níveis de vitamina C, carotenóides e fenólicos na polpa de tomates orgânicos. No entanto, o consumo desses tomates por seres humanos durante 3 semanas (96 g/dia - coisa pra caramba!) não causou nenhum aumento nos níveis sanguíneos dessas substâncias em comparação aos humanos que consumiram tomates convencionais.

2. Maçãs. LAMPERI e colaboradores (2008) estudaram os níveis de antioxidantes - polifenois e vitamina C - na casca e polpa de maçãs de diferentes variedades e cultivares orgânicos e convencionais. Constataram que fatores como região, solo e variedade afetam muito mais intensamente os níveis destas substâncias na parte comestível da maçã do que o tipo de manejo - orgânico ou convencional.

3. Leite. ELLIS e colaboradores (2007) determinaram que leite produzido a partir de rebanhos convencionais contem maior teor de vitamina A do que de rebanhos orgânicos. Os níveis de vitamina E e betacaroteno não se alteraram entre os dois rebanhos.

4. Trigo. ZORB e colaboradores (2006) determinaram as concentrações de 44 metabólitos - açúcares, aminoácidos e ácidos orgânicos -  em grãos de trigo em cultivares orgânicos e convencionais. Os teores de nenhum dos metabólitos se mostrou alterado.

5. Toranja (grapefruit). LESTER e colaboradores (2007) compararam parâmetros de aceitação por consumidores, assim como teores de minerais, vitamina C, licopeno, açúcares, pectina, fenólicos e nitratos entre toranjas orgânicos e convencionais. As convencionais mostraram-se mais coloridos, com menores teores de ácido tartárico e naringina - substâncias que conferem sabor desagradável à fruta - assim como com maior quantidade do antioxidante licopeno.

6. Brócolis. WUNDERLICH e colaboradores (2008) mediram os níveis de vitamina C em brócolis orgânicos e convencionais não encontrando diferenças significativas entre eles.

 Em absolutamente TODOS os artigos, os autores comentam que diferenças muito mais marcantes e significativas são encontradas entre as estações da colheita, variedade do vegetal, tipo de solo e região de plantio.

 Não quero aqui condenar o consumo de alimentos orgânicos. Fora o preço e o termo dado aos mesmo - desde que o que não é "alimento orgânico" passa a ser "alimento inorgânico" e isso não faz o menor sentido - acho que este tipo de alimento deve trazer benefícios - embora eu ainda não tenha pesquisado o assunto - em relação ao uso, descarte e ingesta de agrotóxicos e defensivos agrícolas. Minha intensão é por os pingos no is e esclarecer o que é realmente benefício e o que é mito no consumo dos "orgânicos".

 Consumir "alimentos orgânicos" para diminuir a contaminação de água, ar, solo e humana, tudo bem. Consumir porque é mais nutritivo é senso comum... e mito.


JUROSZEK e cols. J. Agric. Food Chem. 2009, 57, 1188–1194.

BARRET e cols., Journal of Food Science 72, 9, 2007.

LAMPERI e cols. J. Agric. Food Chem. 2008, 56, 6536–6546.

ELLIS e cols. Journal of Dairy Research (2007) 74 484–491.

ZORB e cols. J. Agric. Food Chem. 2006, 54, 8301-8306.

LESTER e cols. J. Agric. Food Chem. 2007, 55, 4474-4480.

WUNDERLICH e cols. Int J Food Sci Nutr. 2008; 59(1):34-45.

5 comentários:

  1. PER-TI-NEN-TÍS-SI-MO! Sempre achei absurda essa denominação "orgânica"; quem não come orgânicos, come o quê? Sulfeto de estrôncio ortorrômbico com suco de HCl 0,3M???

    Vítor, já que você se envolveu nesse tipo de pesquisa, poder-nos-ia trazer dados acerca das carnes e ovos orgânicos? Sempre ouço falar sobre hormônios em carne bovina e galinácea, mas será que isso é completamente verdade? E se for, há dados comparáveis em relação às versões "orgânicas" desses alimentos?

    Bem, fica a dica para uma postagem complementar.

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  2. Agora, em se tratando de antioxidantes, é previsível que os níveis dessas substâncias sejam menores nos "orgânicos": por serem mais vulneráveis às condições do solo, doenças e ataque de animais, eles certamente consomem mais antioxidantes que os alimentos X ("inorgânicos", "comuns", "normais", "nem tão orgânicos assim"?) já que estão sujeitos a maior estresse. Concordas?

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  3. Esclarecimento indispensável, Vitor. Obrigada! E parabéns a você e Astria pelo novo rebento!

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  4. Daniel. Quanto ao primeiro comentário:
    Assisti a uma palestra de uma professora da UNEB especializada em nutrição de aves para produção que me garantiu que não se usam hormônios na engorda do frango. Ela disse que os chamados indutores de crescimento são na verdade antibióticos que ajudam no desenvolvimento e engorda dos frangos. Quanto aos orgânicos, ainda não achei nada mas vou verificar.
    Segundo comentário:
    Os autores dos artigos que li comentam o contrário, que como os alimentos convencionais são protegidos pelos pesticidas eles TERIAM - e alguns até têm - menor necessidade de produção de espécies reativas de oxigênio pra sua defesa. Por isso, teriam também menor necessidade de antioxidantes que os orgânicos, que têm que se virar sem pesticidas.
    Obrigado pelos comentários.

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  5. Adorei Vitor!!! Vou esfregar na cara de umas pessoas! hehehe!

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