sábado, 28 de março de 2015

Nós não viemos do macaco!

    Evolução é a mudança ocorrida nas características hereditárias dos seres vivos de geração em geração, responsável pela diversidade biológica e pela origem das espécies. Segundo a Teoria postulada por Charles Darwin em 1859 e publicada em A Origem as Espécies, todas as formas de vida do planeta teriam evoluído a partir de um único ancestral comum que teria vivido cerca de 3,5 a 4 bilhões de anos atrás.
    Quando se fala em Evolução, tenho ouvido algumas pessoas cometerem dois erros fundamentais: 1. Evolução é apenas uma teoria; e 2. Nós descendemos dos macacos. Resolvi então, nessa postagem, tentar explicar essas questões.
    Tem se tornado algo comum pessoas esclarecidas afirmarem que a Evolução é apenas uma teoria, o que deixaria margem para não ser verdadeira. Essa afirmação vem do desconhecimento científico e da desinformação. Na linguagem vulgar, teoria dá a conotação de uma opinião pessoal sem fundamentação ou, até mesmo, uma afirmação que não pode ser comprovada (“é somente uma teoria”). Em Ciência o termo Teoria tem outra conotação: uma explicação bem embasada e referenciada para algum fenômeno. Exemplificamos com a Teoria da Relatividade, a Teoria da Gravidade e a Teoria do Big-Bang. Assim é a Evolução, uma Teoria cujas evidências continuam se acumulando e sendo testadas nos mais diversos campos da Ciência. Uma Teoria que explica um fenômeno da natureza, a Evolução.
    O principal argumento das pessoas que me afirmam isso está – dizem elas – na inexistência do tão afamado “elo perdido”; outro fruto do desconhecimento científico. O que o vulgo chama de “elo perdido” trata-se de fósseis transacionais ou intermediários; registros fósseis de organismos que possuem concomitantemente características de um grupo ancestral e de um grupo descendente.     Diversos exemplos de fósseis transacionais foram descobertos e publicados para as mais diversas espécies. Entre elas: Tiktaalik roseae (1), um peixe com característica tetrápode (quatro pés) que teria sido a ligação entre vertebrados aquáticos e terrestres; ou o Archaeopteryx (2), um pássaro primitivo com diversas características dos répteis, que fechou de vez a Teoria de que os pássaros evoluíram a partir dos dinossauros.


Reconstituição do Tiktaalik roseae a partir de registros fósseis.

Reconstituição do Archaeopteryx a partir de registros fósseis.

    Ok, muitas dessas pessoas poderiam argumentar que em seres humanos não há nada evidenciado e que não há “elo perdido”. Mesmo considerando que o Homo sapiens é apenas uma das centenas de milhares de espécies no planeta e que a necessidade de haver um “elo perdido” para a evolução humana é apenas uma visão antropocentrista, esse pensamento ainda é fruto do desconhecimento. Em 1891, foi encontrado um esqueleto, em Java, com características de primatas ancestrais, como um molar maior do que qualquer dente de hominídio moderno, mas com o fêmur alongado e inserção pélvica sugerindo a postura ereta. Esse organismo foi denominado Pithecanthropus erectus (homem-macaco ereto)(3). Após este, vários outros fósseis transacionais foram encontrados ligando características do gênero Homo, ao qual nós pertencemos, ao gênero Pan, ocupado pelos chimpanzés e bonobos. Um dos mais famosos Fósseis Transacionais é Lucy, um esqueleto 40% preservado de Australopithecus afarensis, um ancestral entre o Homo bípede e nossos antepassados quadrúpedes, como o chimpanzé e o gorila (4). Mas o registro mais contundente de Fóssil Transacional entre humanos e os antigos primatas foi publicado em 2004 na revista Science: o Pierolapithecus catalaunicus, apresentando características de macacos, presentes nos grandes primatas (apes) mas com uma estrutura corporal que permitia a postura ereta (5).

Lucy. Reconstituição do Australopithecus afarensis, a partir de registros fósseis.

    Como visto, não temos simplesmente O Elo Perdido mas uma série de elos perdidos; diversos registros fósseis de transição que mostram características dos antigos primatas, presentes nos chimpanzés, bonobos, orangotangos e gorilas, em conjunto com características humanas modernas, como a postura ereta.
As afirmações acima nos remetem ao segundo erro: segundo a evolução, nós não descendemos dos macacos. Isso é um erro conceitual grave. Homens e macacos, assim como todas as espécies que existem – até as bactérias – são organismos modernos que sobreviveram a milênios de evolução sobre seus ancestrais. Homens e chimpanzés possuem ancestrais comuns. Esses ancestrais comuns – genericamente chamados de LUCA (Last Unknown Common Ancestral) seriam espécies extintas que foram sucedidos por uma linha evolutiva, devido à Seleção Natural, até nós ou até os chimpanzés.
Então quando seu amiguinho perguntar por que o macaco do zoológico não evolui para homem, você pode responder: “Ele evolui sim mas não para homem. Na verdade, ele está evoluindo. Se você quiser esperar, em uma ou duas milhões de gerações, ele deverá se tornar uma versão evoluída de um chimpanzé, talvez até inteligente, mas nunca será um homem”.
    Os artigos da paleontologia modernos nem tentam mais comprovar a Evolução nos dias de hoje. Tantas evidências comprovam tão claramente as Teorias de Darwin que diversos achados e outras teorias se embasam nela para justificar, explicar e desenvolver seus resultados. Ciências sociais, geológicas, climatológicas, genéticas e diversas outras áreas comprovam a Evolução como um fato e utilizam seus postulados. Se algo equivocado ou errado existisse na Teoria da Evolução, algum desses achados mostrariam-se em desacordo com a mesma.
    Uma revisão muito interessante publicada na revista Seminars in Cell & Developmental Biology traça um perfil filogenético de diversas espécies de hominínios baseados na morfologia dos crânios (6) e ajuda a entender melhor as questões relacionadas aos dois erros comuns que mencionei:

    Árvore filogenética calculada a partir da comparação anatômica de crânios encontrados em fósseis. A posição de cada crânio no eixo Y indica sua forma craniana (tamanho da face/tamanho da caixa encefálica). O número acima de cada crânio indica o volume endocraniano (volume interno da caixa craniana). Os números em cada galho da árvore filogenética (Painel de baixo) indicam a data estimada da divergência evolutiva entre as espécies. (P. paniscus = bonobo; P. troglodytes = chimpanzé)

    A Figura acima mostra a comparação dos crânios achados em fósseis de hominínios de diversas eras. Sua relação evolutiva é mostrada em uma árvore filogenética calculada a partir destas comparações. Os números nos nós da árvore indicam o tempo decorrido desde a divergência entre as espécies mostradas nos galhos, ou seja, a época provável em que viveu seu ancestral comum. Esse esquema é bem ilustrativo para demonstrar a correção do erro 2, do qual falei. Pan Troglodites (chimpanzé) não é um ancestral de Homo sapiens (nós), nem vai evoluir até Homo porque, para isso, precisaria involuir 7 milhões de anos até o nosso ancestral comum e depois evoluir novamente por mais 7 milhões de anos até nós. Algo,  sim,  impossível.

REFERÊNCIAS
1.       EDWARD, B. DAESCHLER, N. H. SHUBIN AND FARISH A. JENKINS, JR (2006). "A Devonian tetrapod-like fish and the evolution of the tetrapod body plan". Nature 440, 7085:757–763. PMID 16598249.
2.       GODEFROIT, P.; CAU, A.; HU, D.; ESCUILLIÉ, F.; WU, W.; DYKE, G. (2013). "A Jurassic avialan dinosaur from China resolves the early phylogenetic history of birds". Nature 498, 7454:359–362. PMID 23719374
3.       ANTON, S. C. (2003) “Natural History of Homo erectus” Yearbook Of Physical Anthropology 46:126–170. PMID: 14666536
4.       WHITE, T.D. , SUWA, G., SIMPSON, S., ASFAW, B. (2000). "Jaws and teeth of Australopithecus afarensis from Maka, Middle Awash, Ethiopia". American Journal of Physical Anthropology 111 (1: 45–68. PMID 10618588.
5.       MOYA-SOLA, S., KOHLER, M., ALBA, D. M. CASANOVAS-VILAR, I., GALINDO, J. (2004) “Pierolapithecus catalaunicus, a New Middle Miocene Great Ape from Spain”. Science 306, 1339-1344. PMID: 15550663.
6.       Zollikofer, C. P. E., León, M. S. P. (2010) The evolution of hominin ontogenies. Seminars in Cell & Developmental Biology, 21:441–452. PMID: 19900572.