domingo, 29 de novembro de 2009

Filhos do carnaval: a natalidade realmente aumenta no Brasil devido aos excessos do carnaval?

 Desde que viemos morar em Salvador, ouço dizerem que o número de bebês nascidos em novembro aumenta devido ao aumento do apetite sexual das pessoas durante o carnaval. Da mesma maneira, já ouvi estórias sobre o São João, muito festejado no nordeste. Bem, como este é um dos objetivos deste blog, resolvi checar se esta informação é realmente verdadeira ou se apenas mais um mito do senso comum.

 Recorri ao riquíssimo site do IBGE com suas estatísticas de tudo que interessa e não interessa a qualquer cidadão brasileiro. Recolhi dados dos nascimentos registrados entre os anos de 2003 e 2008 diferenciados por mês de nascimento, região e estado da federação. Estes dados me deram algumas indicações interessantes.

 A primeira delas é que o suposto aumento da natalidade em novembro - crianças concebidas em fevereiro - não procede, é mito. O gráfico abaixo mostra o percentual de nascimento do ano em relação ao mês de concepção. Nota-se de imediato que fevereiro é um dos mais baixos índices de concepção do ano em todas as regiões do Brasil, desmitificando a ideia dos filhos do carnaval. Outro fato interessante é que os índices de concepção não parecem ser afetados por épocas ou festas típicas regionais mas sim de maneira relativamente homogênea e sazonal em todo o país, com picos em junho e agosto e reduzidos em fevereiro e março.


 Não creio que as festas juninas tampouco sejam responsáveis pelo aumento das concepções em junho pois este comportamento é observado em todo o país, mesmo em regiões onde as festas juninas não são tão comemoradas, como Sul e Sudeste. Da mesma forma, não creio que o frio tenha influência importante - o que causaria o aumento das concepções no inverno - pois regiões onde as estações do ano são menos marcadas apresentariam este efeito diminuído, o que não é o caso. Da mesma forma, a região Sul - mais fria do país - deveria apresentar este efeito de forma mais acentuada, o que não ocorre.

 Se analisarmos o gráfico por unidade da Federação, observamos o mesmo comportamento para todos os estados individualmente, com uma intrigante exceção, o Amapá:


 O Amapá apresenta um pico de concepção nos mês de novembro - bebês nascidos em agosto. Não tenho uma explicação para esta discrepância mas desafio a quem tiver mais conhecimento acerca da cultura Amapaense que tente explicar o que ocorre em novembro nesse estado.

 Analisando o comportamento do índice de concepção nos estados, observamos ainda algo interessante: todos os estados, inclusive o Amapá, apresentam um "dente" no mês de julho. Tendo um comportamento sazonal, parece que observaríamos um máximo de concepção entre junho e agosto, possivelmente no mês de julho. No entanto, algo ocorre em julho que faz com que o número de concepções seja menor do que os meses vizinhos. A princípio, achei que poderia ser efeito das férias escolares, o que faria as crianças permanecerem mais tempo em casa, demandando mais tempo, esforço e dedicação dos pais. Com isso, talvez sobrasse menos tempo para fazer irmãozinhos...

 O IBGE não traz dados sobre o número de irmãos do recém-nascido mas, para resolver esta questão, podemos fazer uma inferência: há maior probabilidade de que mulheres com idade entre 15 e 19 anos na ocasião do parto sejam primíparas - ou seja, não terem filhos anteriores para interferir na concepção - do que mulheres entre 30 e 34 anos. No entanto, ambos os grupos parecem apresentar o "dente" de diminuição de índice de concepção no mês de julho, sugerindo que as férias escolares não devem ser o motivo desta diminuição.


 Aguardo comentários de quem conseguir enxergar mais informação nos dados para que possamos discutir. Por enquanto, desmistificar o senso comum de que os "filhos do carnaval" estão por aí, nascendo em novembro, já foi meu objetivo alcançado desta postagem.

domingo, 15 de novembro de 2009

Alimentos orgânicos e os pingos no is.

 Tenho sido assediado por amigos em relação ao consumo de alimentos orgânicos. Como todos devem saber, os alimentos ditos "orgânicos" são aqueles cultivados "sem uso de substâncias que coloquem em risco a saúde humana e o meio ambiente. Não são utilizados fertilizantes sintéticos solúveis, agrotóxicos e transgênicos". Tudo isso faz desses alimentos uma alternativa saudável em relação à ingestão de resíduos de fertilizantes, herbicidas e defensivos utilizados nas lavouras convencionais.

 Nesse aspecto, considero tudo "ok" - fora o preço dos alimentos orgânicos que muitas vezes se justifica pelo custo aumentado deste tipo de manejo. Minhas objeções começam quando pseudo-especialistas tentam referenciar suas "verdades" em informações incorretas, incompletas ou equivocadas. Isso é o que mais ocorre em campos de atuação onde comportamentos são motivados por ganhos financeiros,  como é o caso do consumo de alimentos orgânicos. Vários sites, inclusive o site oficial do Ministério da Agricultura (www.prefiraorganicos.com.br), dizem que os alimentos orgânicos são mais nutritivos "mais saborosos e com todas as vitaminas e minerais preservados".

 Estas afirmações - juntamente com minha natural aversão à informações mal referenciadas de senso comum - me fizeram envolver-me em uma breve pesquisa no Estado da Arte. Apresento nesta postagem um resumo do que encontrei - em artigos científicos, é claro! - em relação ao teor de micronutrientes - e esclareço que por micronutrientes entende-se vitaminas, minerais, substâncias antioxidantes, etc - de alguns alimentos orgânicos em comparação com os não orgânicos, ditos convencionais.

 1. Tomate. Sem dúvida tomates são os alimentos mais estudados em relação às diferenças nutricionais entre orgânicos e convencionais. Apesar disso, pouquíssimos artigos - encontrei somente 4 de 2004 pra cá na maior base de artigos biomédicos do mundo (www.pubmed.com) - foram publicados. JUROSZEK e colaboradores (2008) estudaram os teores dos antioxidantes betacaroteno, licopeno, ácido ascórbico (vitamina C) e fenólicos, não encontrando diferenças significativas entre tomates orgânicos e convencionais. BARRETT e colaboradores (2007) em estudo semelhante concluíram que o suco de tomates convencionais é mais colorido e rico em ácido ascórbico e fenólicos, enquanto o de tomates orgânicos é mais ácido e contém mais matéria sólida. CARIS-VEYRAT e colaboradores (2006) detectaram um aumento nos níveis de vitamina C, carotenóides e fenólicos na polpa de tomates orgânicos. No entanto, o consumo desses tomates por seres humanos durante 3 semanas (96 g/dia - coisa pra caramba!) não causou nenhum aumento nos níveis sanguíneos dessas substâncias em comparação aos humanos que consumiram tomates convencionais.

2. Maçãs. LAMPERI e colaboradores (2008) estudaram os níveis de antioxidantes - polifenois e vitamina C - na casca e polpa de maçãs de diferentes variedades e cultivares orgânicos e convencionais. Constataram que fatores como região, solo e variedade afetam muito mais intensamente os níveis destas substâncias na parte comestível da maçã do que o tipo de manejo - orgânico ou convencional.

3. Leite. ELLIS e colaboradores (2007) determinaram que leite produzido a partir de rebanhos convencionais contem maior teor de vitamina A do que de rebanhos orgânicos. Os níveis de vitamina E e betacaroteno não se alteraram entre os dois rebanhos.

4. Trigo. ZORB e colaboradores (2006) determinaram as concentrações de 44 metabólitos - açúcares, aminoácidos e ácidos orgânicos -  em grãos de trigo em cultivares orgânicos e convencionais. Os teores de nenhum dos metabólitos se mostrou alterado.

5. Toranja (grapefruit). LESTER e colaboradores (2007) compararam parâmetros de aceitação por consumidores, assim como teores de minerais, vitamina C, licopeno, açúcares, pectina, fenólicos e nitratos entre toranjas orgânicos e convencionais. As convencionais mostraram-se mais coloridos, com menores teores de ácido tartárico e naringina - substâncias que conferem sabor desagradável à fruta - assim como com maior quantidade do antioxidante licopeno.

6. Brócolis. WUNDERLICH e colaboradores (2008) mediram os níveis de vitamina C em brócolis orgânicos e convencionais não encontrando diferenças significativas entre eles.

 Em absolutamente TODOS os artigos, os autores comentam que diferenças muito mais marcantes e significativas são encontradas entre as estações da colheita, variedade do vegetal, tipo de solo e região de plantio.

 Não quero aqui condenar o consumo de alimentos orgânicos. Fora o preço e o termo dado aos mesmo - desde que o que não é "alimento orgânico" passa a ser "alimento inorgânico" e isso não faz o menor sentido - acho que este tipo de alimento deve trazer benefícios - embora eu ainda não tenha pesquisado o assunto - em relação ao uso, descarte e ingesta de agrotóxicos e defensivos agrícolas. Minha intensão é por os pingos no is e esclarecer o que é realmente benefício e o que é mito no consumo dos "orgânicos".

 Consumir "alimentos orgânicos" para diminuir a contaminação de água, ar, solo e humana, tudo bem. Consumir porque é mais nutritivo é senso comum... e mito.


JUROSZEK e cols. J. Agric. Food Chem. 2009, 57, 1188–1194.

BARRET e cols., Journal of Food Science 72, 9, 2007.

LAMPERI e cols. J. Agric. Food Chem. 2008, 56, 6536–6546.

ELLIS e cols. Journal of Dairy Research (2007) 74 484–491.

ZORB e cols. J. Agric. Food Chem. 2006, 54, 8301-8306.

LESTER e cols. J. Agric. Food Chem. 2007, 55, 4474-4480.

WUNDERLICH e cols. Int J Food Sci Nutr. 2008; 59(1):34-45.